terça-feira, 18 de maio de 2010

Coelho das lágrimas

Eu não precisava estar bonita para seus olhos ou agradável aos seus ouvidos. Eu não precisava temer se eu o estava amando demais, ou se eu estava lhe sendo negligente. Para ele, eu nunca era excessiva, pedante ou ausente. Sim, ele foi o primeiro que amei sem receios.

Quando as ondas das mais amargas tristezas quebravam em meu coração nas madrugadas, eu podia acordá-lo, abraçá-lo e chorar sem medo. Sem constrangimentos. Eu podia ser pequena, falha, ser a menina insegura, incerta. Ele não se importava com minha imaturidade emocional.

Ele era como o cachorro do "Ensaio sobre a cegueira". Enxugava minhas lágrimas, enxugava minhas dores.

Aos seus ingênuos olhos, tudo era simples e se havia manjericão e água suficiente, por que se preocupar?

E o que fazer? Jogar no ar essa dor? Jogar no tempo essa flor de afeto que foi desfeita?

Ai, ai, dia de ausência, dia de neblina.

Mais uma parte da minha alma me deixou. Meu coelhinho me deixou. Sofridamente. Esquálido, doente e tão frágil e tão delicado. E o que eu vou fazer das madrugadas ásperas? O que vou fazer do meu corpo que implora pelo alento que ele me oferecia?

"Vamos, Rodayne. A vida dói, a vida massacra, mas vamos".

domingo, 9 de maio de 2010

Domingo feliz

Então, eu pego um ônibus: Formosa 4 ET.

Durmo-desmaio no meio do caminho. Não paro onde devia. Vou parar no umbigo do mundo.

Vontade de. Grito morrendo aos poucos. Barulho surdo de raiva que saltita como uma gazela no meio peito.

Ônibus Formosa 4 ET. Sim, ausente de quatro alienígenas.

Uma mulher com sua exuberância e glamour evidentes, segura, na mão direita, seu celular Samsung Diva.

Ela me conta (apesar de eu não ter perguntando) que custou "375 euro". Na mão esquerda, ela carrega uma sacola (pingando) que continha frango assado. O almoço do dia "das mãe"!

Minha vida?

Repleta da mais pura e pulsante poesia.

Sou eu, pessimista demais, para extrair a beleza dos simples acontecimentos, my ass!

segunda-feira, 3 de maio de 2010

La valse des monstres

Perguntaram-me: e o monstro?

Agora, ele dorme num silêncio todo feito de azul e sol. Com pesados olhos fechados, ele sonha, deseja.

"É só esperar... Não tarda muito e ela mergulha novamente na teoria tão paralisante daquele mar dos que sofrem. E ela se desindividualiza... é só! E a rigideza de metais das minhas garras voltarão a fincar e escavar sua alma. E virá a inatividade definitiva dos sentimentos não mais usados. Meu massacre? Não demora".

Monstro, monstro. Tua valsa é quimera que geme, que dói. É cântico delicioso e veneno tão doce, tão lento. Conheço tua paciência áspera e vã. Sei como me afetas a atitude e a razão.

Mas o resto do mundo capota num sonolento e medroso caso com a velhice.

E eu, apesar de ainda te temer, não sou fragor de vomitar fins.

Vomito baleias feitas de solidão.

Então, o monstro esfrega os olhos, aperta seu embaraço e me chama para bailar.

Sim, meu monstro. Imprudente e vil como um histrião, mas valsa como ninguém...