domingo, 25 de maio de 2008

Conto

Ele nunca havia ido a um musical.
Não era esse o sonho de sua vida, mas era um dos.
Sonhador, seus pés costumavam sempre sair do chão. Às vezes os olhava, não dando muita atenção. Preferia trocar os sapatos à deixá-los fincados no chão, imóveis. Era assim.
Quando avistou a propaganda no balcão de seu quarto, prontamente decidiu-se. Era chegada a hora, a chance. Veria o até então desconhecido Miss Saigon.
Não era bem um Fantasma, espetáculo freqüente em seus pensamentos. Mas era um espetáculo. E era num teatro grande, de verdade, em São Paulo. Valeria a pena, pensou. Já é uma grande estréia, tinha certeza.
Pequena confusão armou-se acerca do ingresso. Do local, da condução, do dinheiro também. Mas rápido tudo já se acertou e rápido chegou o momento de ir.

Era sexta-feira.
No caminho, ainda admirava-se com os prédios, brotando e espalhando cinza por todos os lados. Da capital do Brasil à capital dos negócios quanta diferença sentia e percebia.
Carros, carros, carros, gente,gente, muita gente. Dia, noite, quente, frio, estavam todos lá, apressados, à beira do tempo, alucinados nesse mesmo ritmo.
Em seu carro, gota no mar, poucas conversas. Estava de carona, e não se atrevia a comentar muito, embora palavras não faltassem em sua boca. Queria compartilhar toda a euforia, mas acabou por sufocando-a num sorriso, aprisionando-a em sua cabeça. Neste momento, desejou estar com alguns amigos.

Chegou.
Era o Teatro Abril.
Uma pequena multidão já se aglomerava ali. Entrou, retirou seu ticket, despediu-se dos outros. Era hora de ir ao lugar estipulado, o Balcão A. Subindo as escadas, ainda pensou que provavelmente ficaria muito longe do palco. As lentes de contato talvez não fizessem o efeito esperado, e o atrapalhariam.
Facilmente encontrou sua poltrona, G-1. Agora, era só esperar.

O som alto do bater de pratos metálicos fez a primeira chamada. A segunda. Começou. As cortinas abriram. O cenário surgiu do nada. Dançarinos, aos montes, começaram a peça. Cantavam, rimavam, mas ele não via direito! Não via! Que fazer?
A história já começava a ser contada. Mas quem estava falando? Quem? Não conseguia distinguí-los! Apertava os olhos, mas não adiantava. Mais ouvia do que via, e seu aborrecimento crescia a cada minuto, acompanhando a música fascinante.

De forma alguma vivia a estréia imaginada.
Mas prontamente decidiu-se. Faria algo, mudaria aquilo.
Olhou para os lados. Apesar do escuro, sabia que o teatro não estava lotado. Sabia dos lugares vazios e haveria de ter um lugarzinho para ele. Mas estava tão escuro, impossível sair procurando-o.
Não, não desperdiçaria o sonhado momento por causa de uma poltrona afastada do palco.

Levantou-se. Saiu. Desceu as escadas. Perdia o espetáculo, mas já não se importava. Tentaria. A recompensa poderia valer aqueles momentos perdidos.
Aflito, aflitíssimo ao som do musical apresentado atrás das paredes, ao longe, chamou a segurança, na entrada do teatro.
Pediu encarecidamente, explicou-lhe a situação, não teve vergonha. Não era hora de ter vergonha. Concentrou-se, respirou, olhou fundo em seus olhos.
Ela sai, vai chamar a gerente.
Estava perdendo, estou perdendo! E se não desse certo? Em sua mente, gritava para que andassem logo. Andem! Andem logo, poxa!

- É esse o menino? – pergunta a gerente pouco tempo depois.
- Sim. – responde a outra.

Um sinal. Seria para seguí-la? Seria possível?

Sim! Claro! Ela dirigia-se à porta, era para ir! Olhou para trás. VAI! VAI LOGO!
Ele foi, sem entender, deixando-se apenas levar.

Tudo escureceu.
Não, o menino não desmaiou. Entrou no teatro.
Uma lanterninha foi acesa. E foram indo. Ele seguindo. Iam, iam, iam... Até onde iria levá-lo? Já tinham passado inúmeros lugares! Estranho.
Foi-se o limite da Platéia B. Adentravam na ala nobre. O menino mal podia acreditar. O coração aumentava o ritmo. Tum-tum, tum-tum, tum-tum. Batida do coração ou batida da peça? Já não sabia.
Era demais agora, já mal agüentava cada passo. E ela ia, imersa pela escuridão, a lanterna mostrando o caminho, quase impassível. Ia.
Até que chegou bem na frente. A luz indicou uma cadeira.
Ele olhou para elas – a cadeira, a mulher. Segurou no antebraço da segunda, e mal vendo seus olhos, agradeceu, entendendo, e esperando transmitir com aquelas singelas palavras todo o seu verdadeiro agradecimento.
Percebendo um sorriso, retribuiu-o. Ela se foi.
Sentou. Era a quinta fileira! A quinta! Estava muito perto agora, perto de tudo. Quase via a orquestra escondida à frente do palco. E via os rostos dos atores. Agora via seus rostos, conseguiu vê-los bem. Agora sim a peça havia começado para ele... Agora sim.

No turbilhão de pensamentos, pensava no preço do lugar aonde estava. Mas não havia preço. Nada pagaria o sentimento daquele momento. Comprado, não teria o mesmo gosto. A conquista foi especial. Especial demais.
Dali, não ousava olhar para os lados. Tinha medo de alguém chegar e tomar seu lugar romanticamente conquistado.
Só olhava para a frente.
E via encantado o espetáculo encantado. Extasiado, surpreendido, maravilhado.
Seus olhos brilhavam. Nada o incomodava mais. Vivia seu momento. Um momento dele, só dele. Agradeceu a Deus, pois sabia ter ali a sua mão.
E assistiu tudo, até o fim, vibrando, torcendo, temendo, sonhando. Como sempre sonhou.

Porque soube, naquele lugar, que sonhos viram realidade. E por isso nunca deixaria de sonhar.

2 comentários:

Anônimo disse...

Incrível

ritmo
som
sensação
toque
esbarrão

tudo
uma paixão intensa e ardente...

digo o mesmo do poema

porque o fogo e a água são irmãos.
vêm e arrebentam com o velho

para dar lugar ao novo

magnific

Lupe Leal disse...

incrível!
ritmo. suas histórias andam nos enroscando no enredo.

p.s.: mas, aconteceu mesmo, ou é obra de Toulon?

abraços,